ARTIGOS
A gravidez e a adolescência: aspectos psíquicos
Pôde-se observar, pelas entrevistas realizadas com as adolescentes, um certo empobrecimento da capacidade de discriminação e avaliação e despreparo para enfrentar as situações da vida, como por exemplo, a falta de preocupação com o filho que irá nascer. Amanda relatou que não costuma conversar com o pai do bebê sobre a futura maternidade e a paternidade. Daiana mencionou que teme mais a hora do parto e, depois que o bebê nascer, descobrirá como vai exercer seu papel de mãe, não demonstrando nenhuma preocupação com os cuidados do filho. Já Sara disse que não costuma pensar em si como mãe.
As três adolescentes iniciaram um relacionamento amoroso com pouca idade, todas conheceram o pai do futuro bebê e com ele começaram a se relacionar aos 11 anos de idade, tendo engravidado do namorado com quem tiveram a primeira relação sexual.
Amanda teve sua primeira relação sexual com a idade atual, 13 anos, e disse que não sabia direito o que era fazer sexo e a primeira relação aconteceu em meio a brincadeiras entre ela e o namorado, “quando viu já tinha feito”. Ela mesma declara que levava tudo na brincadeira e não a sério, usando termos como “zuando”, “brincando”, “tirando sarro”. Quando se perguntou se estava preparada, respondeu: “sei lá, não sabia que tinha feito aquilo”, “a gente não usou muito a cabeça para fazer” (sic), referindo-se à questão porque ela e o namorado não usavam nenhum método contraceptivo.
Daiana, 15 anos, disse que antes da primeira relação sexual, que ocorreu aos 12 anos de idade, ela e o namorado não conversavam sobre sexualidade, vindo a acontecer de forma inesperada e não planejada. Mesmo conhecendo os métodos contraceptivos, afirmou que ela e o namorado não utilizavam “por bobagem, né” (sic). Chegou a dizer que era “criança, inocente de tudo” (sic).
Sara, 16 anos de idade, cuja primeira relação sexual ocorreu aos 14 anos, diferentemente das demais, mostrou total desconhecimento sobre sexualidade e métodos preventivos, dizendo que “aconteceu”.
Nos relatos, observa-se que as adolescentes não estavam amadurecidas emocionalmente para lidar com a sua sexualidade, iniciando sua vida sexual de forma infantil e não planejada.
A adolescente Daiana disse que a gravidez não foi planejada, mas relatou que o namorado comentava que, se um dia ela viesse a engravidar, ele assumiria o bebê e ambos se casariam. Talvez, de maneira inconsciente, Daiana viu na gravidez a oportunidade de casar-se com seu namorado, pois revelou que ambos estão comprando móveis e residirão juntos, atendendo, assim, a seus desejos. Sara também revela que seu companheiro queria ter um filho e ela também tinha um sonho de ter filhos, apesar de não ter planejado a gravidez.
Diante desses dados pode-se afirmar que as adolescentes entrevistadas apresentaram capacidade prejudicada no que se refere a ideais, metas de vida, e, com a falta dessas perspectivas, acabaram engravidando e fazendo da gravidez em si o seu projeto de vida.
Borges (apud Melo 2001, p. 102) verificou, em sua pesquisa, que muitas jovens engravidam “porque alimentam um sonho de serem reconhecidas como mulheres, porque acreditam que é isso que o namorado quer, porque querem ser vistas como adultas, etc.”, revelando que ainda faz parte da socialização da menina que seu grande valor está em uma maternidade futura, pois o papel de mãe é grandemente valorizado e desejado na sociedade. Com isso, a gravidez pode fornecer à adolescente a possibilidade de estruturar sua vida a partir de uma perspectiva nova, mesmo que não planejada.
Entende-se que na adolescência são reeditados conflitos relativos a etapas primitivas do desenvolvimento, que geram ansiedades pertinentes à ameaça de perda de segurança, de perda do objeto de amor, desamparo, sensação de desvalia e abandono (Zimerman, 1999). Parece que essas adolescentes tentaram inconscientemente restaurar uma situação original de proteção, buscando substitutos daquilo que sentiam que iriam perder. Procuravam segurança, a figura de uma mãe continente, aquela que consegue acolher as angústias do filho, entendendo e atendendo suas necessidades (Zimerman, 2001). Projetaram, então, esses seus anseios no namorado, na gravidez, no filho que está por vir para sentirem-se “aceitas”, protegidas, compreendidas, terem uma identidade e um papel definido na sociedade.
É interessante mencionar que tanto Sara como Daiana se relacionaram com homens mais velhos. O namorado de Daiana é 10 anos mais velho e o de Sara possui uma diferença de idade de 18 anos, o que pode apontar a busca do cuidado materno e de proteção nesses homens.
Outeiral (1998), ao pontuar brevemente alguns aspectos da sexualidade, declara que a relação genital precoce pode significar a busca de conquistar segurança, amor e cuidado (desse modo, o pênis significaria o seio materno e não o órgão genital masculino).
Se a maternidade se torna uma possibilidade de vislumbrar um projeto de vida, outras áreas da vida são prejudicadas, como, por exemplo, a escolaridade e a profissão.
Amanda relatou que foi reprovada na escola e atualmente não estuda. Daiana também parou de estudar devido à gravidez, e, quando questionadas sobre as expectativas para o futuro, Amanda respondeu que quer voltar a estudar, mas não pensa em trabalhar tão cedo, e Daiana está indecisa entre estudar ou trabalhar. Sara mostra desejo de trabalhar. Mesmo com essas falas, as adolescentes não demonstraram efetivamente que têm objetivos que ampliem os seus horizontes.
A adolescente Amanda, de 13 anos, disse que pretende ter mais um filho, quando a criança tiver seis anos de idade, revelando a falta de outros projetos de vida, como se lhe restasse apenas ser mãe.
Diante desses elementos, considera-se que faltou para essas garotas uma maior capacidade de autocontinência. Ou seja, parece que elas não puderam desenvolver mais plenamente a capacidade de acolher, decodificar, elaborar e dar significado a muitas de suas emoções. Talvez porque tenha faltado a elas um contato maior com adultos cuidadores com boa capacidade de continência (Bion, 1991; Zimerman, 1995).